sábado, 8 de novembro de 2008

O PROBLEMA DO SER - LEÓN DENIS



Um tempo se acaba; novos tempos se anunciam. A hora em que estamos é uma hora de transição e de parto doloroso. As formas esgotadas do passado empalidecem-se e se desfazem para dar lugar a outras, a princípio vagas e confusas, mas que se precisam cada vez mais. Nelas se esboça o pensamento crescente da Humanidade.
O espírito humano está em trabalho, por toda parte, sob a aparente decomposição das idéias e dos princípios; por toda parte, na Ciência, na Arte, na Filosofia e até no seio das religiões, o observador atento pode verificar que uma lenta e laboriosa gestação se produz. A Ciência, essa sobretudo, lança em profusão sementes de ricas promessas. O século que começa será o das potentes eclosões.
As formas e as concepções do passado, dizíamos, já não são suficientes. Por mais respeitável que pareça essa herança, não obstante o sentimento piedoso com que se podem considerar os ensinamentos legados por nossos pais, sente-se geralmente, compreende-se que esse ensinamento não foi suficiente para dissipar o mistério sufocante do porquê da vida.
Pode-se, entretanto, em nossa época, viver e agir com mais intensidade do que nunca; mas, pode-se viver e agir plenamente, sem se ter consciência do fim a atingir? O estado dalma contemporâneo pede, reclama uma ciência, uma arte, uma religião de luz e de liberdade, que venham dissipar-lhe as dúvidas, libertá-lo das velhas servidões e das misérias do pensamento, guiá-lo para horizontes radiosos a que se sente levado pela própria natureza e pelo impulso de forças irresistíveis.
Fala-se muito de progresso; mas, que se entende por progresso? É uma palavra vazia e sonora, na boca de oradores pela maior parte materialistas, ou tem um sentido determinado? Vinte civilizações têm passado pela Terra, iluminando com seus alvores a marcha da Humanidade. Seus grandes focos brilharam na noite dos séculos; depois, extinguiram-se. E o homem não discerne ainda, atrás dos horizontes limitados de seu pensamento, o além sem limites aonde o leva o destino. Impotente para dissipar o mistério que o cerca, estraga suas forças nas obras da Terra e foge aos esplendores de sua tarefa espiritual, tarefa que fará sua verdadeira grandeza.
A fé no progresso não caminha sem a fé no futuro, no futuro de cada um e de todos. Os homens não progridem e não se adiantam, senão crendo no futuro e marchando com confiança, com certeza para o ideal entrevisto. O progresso não consiste somente nas obras materiais, na criação de máquinas poderosas e de toda a ferramenta industrial; do mesmo modo, não consiste em descobrir processos novos de arte, de literatura ou formas de eloqüência. Seu mais alto objetivo é empolgar, atingir a idéia primordial, a idéia mãe que há de fecundar toda a vida humana, a fonte elevada e pura de onde hão de dimanar conjuntamente as verdades, os princípios e os sentimentos que inspirarão as obras de peso e as nobres ações.
É tempo de o compreender: a Civilização não se pode engrandecer, a Sociedade não pode subir, se um pensamento cada vez mais elevado, se uma luz mais viva, não vierem inspirar, esclarecer os espíritos e tocar os corações, renovando-os. Somente a idéia é mãe da ação. Somente à vontade de realizar a plenitude do ser, cada vez melhor, cada vez maior, nos pode conduzir aos cimos longínquos em que a Ciência, a Arte, toda a obra humana, numa palavra, achará sua expansão, sua regeneração. Tudo no-lo diz: o Universo é regido pela lei da evolução; é isso o que entendemos pela palavra progresso. E nós, em nosso princípio de vida, em nossa alma, em nossa consciência, estamos para sempre submetidos a essa lei. Não se pode desconhecer, hoje, essa força, essa lei soberana; ela conduz a alma e suas obras, através do infinito do tempo e do espaço, a um fim cada vez mais elevado; unas, essa lei não é realizável senão por nossos esforços.
Para fazer obra útil, para cooperar na evolução geral e recolher todos os seus frutos, é preciso, antes de tudo, aprender a discernir, a reconhecer a razão, a causa e o fim dessa evolução, saber aonde ela conduz, a fim de participar, na plenitude das forças e das faculdades que dormitam em nós, dessa ascensão grandiosa.
Nosso dever é traçar a trajetória à Humanidade futura, de que fazemos ainda parte integrante, como no-lo ensinam a comunhão das almas, a revelação dos grandes Instrutores invisíveis e como a Natureza o ensina também por seus milhares de vozes, pelo renovamento perpétuo de todas as coisas, àqueles que a sabem estudar e compreender.
Vamos, pois, para o futuro, para a vida sempre renascente, pela via imensa que nos abre um Espiritualismo regenerado!
Fé do passado, ciências, filosofias, religiões, iluminai-vos com uma chama nova; sacudi vossos velhos sudários e as cinzas que os cobrem. Escutai as vozes reveladoras do túmulo; elas nos trazem uma renovação do pensamento com os segredos do Além, que o homem tem necessidade de conhecer para melhor viver, melhor agir c melhor morrer!

LEÓN DENIS
Paris, 1908.

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