segunda-feira, 19 de janeiro de 2009



(Artigo extraído da revista Reformador/Outubro de 2003)

Agonias da Terra, premissas do Céu!...
Rogério Coelho

“(...) o martírio não é mais do que a casca de um fruto deleitável,
dando coragem e resignação.”
Marcel

A história do sofrimento na Terra começa com a fábula de Adão e Eva no Paraíso, quando,
segundo a letra (que mata) a voz de Deus dirigindo-se a Eva sentenciou:
“(...) Multiplicarei grandemente a tua dor (...)”; e logo a seguir, voltando-se para Adão, proferiu:
“(...) com dor comerás da terra todos os dias da tua vida”.
É evidente que todo esse folclore bíblico, elaborado por Moisés, tinha por finalidade levar às consciências
o sentimento de culpa e a necessidade de repará-la, e o grande legislador desincumbiu-se de tal
tarefa fazendo crer que havia uma culpa universal, originária do primeiro tronco, da qual cada um deveria
empenhar-se em livrar-se. De outra maneira, como aquele povo ignorante poderia compreender que
a perda do paraíso traduzia o degredo de outro sistema planetário onde faliram todos? E como devedores
da Lei Divina fazia-se mister o devido ressarcimento?! Portanto, a alternativa de Moisés foi valer-se da
lenda de Adão e Eva personificando um casal matriz desobediente.
Se ainda hoje existem criaturas totalmente refratárias à verdadeira cosmogonia revelada pelo Espiritismo,
imaginemos no tempo de Moisés!...
Mas, de qualquer forma, estava ali consignada a incontestável realidade da dor e do sofrimento decorrentes
dos humanos equívocos. Mas não somente ali, pois também ao longo de todas as Antigas Escrituras
quanto das Neotestamentárias, podemos flagrar os proscênios de dores e escarcéus, culminando com o
próprio martírio do Cristo, ao qual se seguiram os de Seus discípulos e demais seguidores...
Somente agora, com as luzes da Doutrina Espírita, podemos entender o porquê da dor, e sua função
regeneradora.
Segundo o nobre Mentor Emmanuel: “(...) essa pesada bagagem de sofrimentos constitui os alicerces de
uma vida superior, repleta de paz e alegria. Essas dores representam auxílio de Deus à terra estéril dos corações
humanos. Chegam como adubo divino aos sentimentos das criaturas terrestres, para que de pântanos
desprezados nasçam lírios de esperança. (...) Cristo (...) reservou trabalhos e sacrifícios aos companheiros amados, para que se não perdessem na ilusão e chegassem à vida real com valioso patrimônio de estáveis edificações.
Eis por que a alegria cristã não consta de prazeres da inconsciência, mas da sublime certeza de que todas
as dores são caminhos para júbilos imortais.”
Léon Denis, o notável continuador de Kardec, ensina:
“A todos aqueles que perguntam: Para que serve a dor? respondo: Para polir a pedra, esculpir o mármore, fundir o vidro, martelar o ferro. Serve para edificar e ornar o templo magnífico, cheio de raios, de vibrações, de hinos, de perfumes, onde se combinam todas as artes para exprimirem o divino, prepararem a apoteose do pensamento consciente, celebrarem a libertação do Espírito! (P. 382.)
Na oficina augusta, onde se forjam as almas, não são suficientes o gênio e a glória para fazê-las verdadeiramente
formosas. Para dar-lhes o último traço sublime tem sido sempre necessária a dor. Se certas existências se tornaram, de obscuras que eram, tão santas e sagradas como dedicações célebres, é que nelas foi contínuo o sofrimento (...). (P.
377.) [Chico Xavier que o diga.]
(...) Na Terra será simultaneamente físico e moral e constituirá um modo de reparação; mergulhará o culpado em suas chamas para purificá-lo; tornará a forjar a alma, deformada pelo mal, na bigorna das provas. Assim, cada um de nós pode ou poderá apagar seu passado, as tristes páginas do princípio da sua história, as faltas graves cometidas
quando era apenas Espírito ignorante ou arrebatado.
Pelo sofrimento aprendemos a humildade, ao mesmo tempo que a indulgência e a compaixão para com todos
os que sucumbem em volta de nós sob o impulso dos instintos inferiores, como tantas vezes nos sucedeu a nós
mesmos outrora (p. 384).
Por muito tempo ainda a Humanidade terrestre, ignorante das leis superiores, inconsciente do futuro e do dever, precisará da dor para estimulá-la na sua via, para transformar o que nela predomina, os instintos primitivos
e grosseiros, em sentimentos puros e generosos. Por muito tempo terá o homem de passar pela iniciação
amarga para chegar ao conhecimento de si mesmo e do alvo a que deve mirar. (...) a dor persistirá,
enquanto o egoísmo e o interesse regerem as sociedades terrestres, enquanto o pensamento se
desviar das coisas profundas, enquanto a flor da alma não tiver desabrochado (p. 385).
Se, nas horas da provação, soubéssemos observar o trabalho interno, a ação misteriosa da dor em nós,
em nosso “eu”, em nossa consciência, compreenderíamos melhor sua obra sublime de educação e aperfeiçoamento
(...). (P. 379, grifo do autor.)
Aprende a sofrer. Não te direi: procura a dor. Mas, quando ela se erguer inevitável em teu caminho, acolhe-a como uma amiga. Aprende a conhecê-la, a apreciar-lhe a beleza austera, a entender-lhe os secretos ensinamentos. Estuda-lhe a obra oculta. Em vez de te revoltares contra ela ou, então, de ficares acabrunhado, inerte e fraco debaixo de sua ação, associa tua vontade, teu pensamento ao alvo que ela visa, procura tirar dela, em sua passagem
por tua vida, todo o proveito que ela pode oferecer ao espírito e ao coração.
(...) A Harmonia e a Beleza são leis universais e, nesse conjunto, a Dor tem o seu papel estético. Seria pueril enraivecermo-nos contra este elemento necessário à beleza do mundo. Exaltemo-la antes, com vistas
e esperanças mais elevadas!
Vejamos nela o remédio para todos os vícios, para todas as decadências, para todas as quedas!” (P. 399.)
A notável psiquiatra suíça, naturalizada norte-americana, Drª. Elisabeth Kübler- -Ross, afirma com propriedade
e sabedoria: “Todas as penúrias que sofremos na Vida, todas as tribulações e pesadelos, todas as coisas que poderíamos considerar castigos de Deus, são na realidade, presentes. São a oportunidade de crescer, que é a única finalidade da Vida. Se cobríssemos os desfiladeiros para protegê-los dos vendavais, jamais veríamos a beleza de suas formas.”
Assim, embora estando todos nós à mercê das procelas da Vida, a Doutrina Espírita oferece-nos “a claridade matinal
que toca a despertar” através do conhecimento e do amor, mas muitas criaturas só acordam com o doloroso
e às vezes cruento impositivo da dor.

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